segunda-feira, 9 de julho de 2012

Porque o pos modernidade é considerada neo-barroca



O termo neobarroco surgiu a partir de um artigo de Severo Sarduy, O Barroco e o Neobarroco, publicado em 1972,[3]  e pode ser entendido, segundo ele,  como um estado de espírito coletivo que marca e caracteriza esteticamente uma época. O neobarroco se apropria de fórmulas anteriores, remodelando-as, para compor o seu discurso e  dá um novo sentido a estruturas e fórmulas anteriores, remodelando-as.
Se para alguns aceitar a permanência ou traços do Barroco na pós-modernidade ainda é discutível, para outros esta questão está bem clara. Ampliando a estética barroca, o chamado Barroco histórico, do século XVII, o neobarroco consolida o caráter cíclico daquela, evidenciando o reaparecimento de seus principais elementos como o jogo do claro e escuro, da ordem e da desordem, sob o signo da tensão. O que parece apropriado numa época como a da pós-modernidade, pois sua textura discursiva possibilita ao sujeito ficcional, por exemplo, a revelação de suas angústias, anseios e incertezas, fazendo do universo da linguagem o veículo para dar espaço ao outro, ao oprimido.
Para Sarduy, "o barroco atual, o neobarroco, reflete estruturalmente a desarmonia, a ruptura da homogeneidade, do logos enquanto absoluto, a carência que constitui nosso fundamento epistêmico. Neobarroco do desequilíbrio, reflexo estrutural de um desejo que não pode alcançar seu objeto [...] Arte do destronamento e da discussão" (1979, p. 178). Assim, o neobarroco  expressa uma atitude de subversão diante do poder autoritário, é uma perspectiva pós-moderna que vai contra todo tipo de absolutismo,  enquanto o  Barroco histórico está atrelado ao autoritarismo da Contra-Reforma.
Segundo Chiampi (1998), o Barroco se opõe ao equilíbrio e se caracteriza pela reciclagem de formas, evidenciando a impossibilidade de captar a totalidade. Na literatura,  possui o gosto pelas antíteses, pelo contraditório, pelo fragmento, pelo preciosismo verbal. Acrecenta as anacronias, a experimentação, a incorporação das técnicas artísticas modernas, rompendo com a distinção entre gêneros e artes e linguagens, a predisposição para o diálogo com a história, a intertextualidade antropofágica e a problematização teórica acerca do próprio fazer poético (auto-reflexividade).
Vale mencionar o estudioso Omar Calabrese que, em sua obra A idade neobarroca, vê o neobarroco não como uma estética, mas  como um gosto do tempo, embora admita que esta tendência expresse "a perda da integralidade, da globalidade, da sistematicidade ordenada em troca da instabilidade, da polidimensionalidade, da mutabilidade" (1988, p. 10). Esta posição, desconsidera, portanto, o caráter ideológico que, para alguns críticos, o  neobarroco  assumiu na literatura latino-americana,  atrelado à questão da construção de uma identidade americana, em oposição à européia.
Visto sob esta ótica, defendida por  Irlemar Chiampi,  a estética barroca é resultado da tensão fruto desta relação de consolidação, de contra-conquista. Assume, portanto, uma questão política, justamente pela tomada de uma consciência da noção de diferença e de mestiçagem,  que propiciou um aprofundamento e renovação do discurso ficcional latino-americano, resultado de uma literatura com  marcas ideológicas voltadas para a busca de nossa alteridade.
Este discurso, segundo Chiampi, sofreu uma renovação a partir de dois critérios: o da experimentação e a representatividade. Houve, segundo ela,  uma abertura significativa para novos processos discursivos que, naturalmente, resultam em novas formas de representação da realidade latino-americana. Neste percurso dois nomes se destacam: Alejo Carpentier e José Lezama Lima. Para o primeiro, o Barroco encontra na América espaço privilegiado para se desenvolver; para o segundo, ele é fruto do próprio hibridismo americano.
Irlemar Chiampi observa ainda que os textos neobarrocos trabalham com duas categorias ameaçadas na narrativa moderna: a temporalidade, que deixa de ser linear para incorporar a ilusão de movimento, um tempo cíclico destruidor da consecução e da lógica da causa e conseqüência e a categoria do sujeito, aquele que, agora incapaz de ordenar e dar sentido, só pode produzir o caos, daí a visão pessimista da história oficial (Chiampi, 1998, p. 13).
A questão, portanto, da pertinência em se falar em neobarroco na literatura brasileira, está no fato de que aceitamos ser ele não apenas uma estética vinculada a determinado período histórico, mas sim como uma forma que renasce em várias épocas,  como processo estético  de representação. Entre nós, por mais que tenhamos uma produção, recente é verdade, voltada para a metaficção historiográfica, a fim de rever a construção de nossa identidade histórica e cultural, não nos parece haver uma preocupação ideológica, explícita, no sentido como se apresenta nos autores latino-americanos, como os citados acima. O que percebemos é um trabalho com a linguagem, e uma preocupação profunda com os processos de composição do texto, pois, antes de tudo,  a forma barroca é dinâmica, tendendo a uma indeterminação de efeito (em seu jogo  de cheios e vazios, de luz e sombra, com suas curvas, suas quebras, os ângulos nas inclinações mais diversas) e sugere uma progressiva dilatação do espaço.
Retomamos Sarduy para quem duas marcas da profundidade do texto Barroco são a artificialização e a paródia. O primeiro, pode ser entendido como a utilização de recursos técnicos para compor o texto, como a substituição e a  condensação, que exploram, sobretudo a metáfora , o jogo da ilusão, ou seja, metamorfose e transfiguração de significados.
Quanto ao recurso da paródia, Sarduy esclarece que
Espaço do dialogismo, da polifonia, da carnavalização, da paródia, e da intertextualidade, o barroco se apresentaria, pois, como uma rede de conexões, de sucessivas filigranas, cuja expressão gráfica não seria linear, bidimensional, plana, mas em volume, espacial e dinâmica. (1979, p. 170)
Para ele, uma obra será barroca se todos os recursos acima mencionados estiverem camuflados nos pontos nodais da estrutura do texto. Neste processo, Sarduy menciona a intertextualidade e a intratextualidade, como elementos que orientam uma semiologia do Barroco.  Inserida na pós-modernidade a estética neobarroca se enquadra às contradições da primeira, considerando que, quando categorias como o tempo, espaço e movimento são anuladas, dissolvidas, e a noção do eu perde-se em meio aos conflitos resultantes da modernidade,  ela parece ser a forma de expressão mais adequada para a representação de momento tão caótico

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